terça-feira, 13 de abril de 2010

É de cair o queixo!!

FOlha de SP, 06/04/2010

A vingança de Maluf


RODRIGO DE GRANDIS, SILVIO MARQUES e PEDRO BARBOSA
O Ministério Público é a voz da sociedade; a "Lei Maluf" só interessa a quem não quer um Ministério Público atuante e independente



EM QUALQUER ESTADO que se diz Democrático e de Direito, a lei deve expressar a vontade do povo e atingir o bem de todos, sem qualquer distinção. O comando normativo que busca satisfazer o interesse particular de determinada pessoa ou grupo de pessoas transforma-se em mera manifestação egoística, imoral e, assim, inconstitucional.

A advertência soa oportuna em virtude do projeto de lei n. 265/2007, de autoria do deputado federal Paulo Maluf, que, a pretexto de "garantir o uso responsável" das ações civis públicas, de improbidade administrativa e das ações populares, ostenta a indisfarçável finalidade de amordaçar a atuação do Ministério Público na proteção da coisa pública e dos princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade administrativas. Em suma, objetiva alcançar, pela via do abuso de poder de legislar, a vingança privada.

Sim, a vingança privada, pois, como é de conhecimento público, Paulo Maluf e seus familiares encontram-se atualmente processados pelo Ministério Público pela prática de crimes contra a administração pública, "lavagem" de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilha e pela perpetração de atos de improbidade administrativa.

Tais processos foram promovidos pelos signatários no exercício legal e regular de suas funções, após anos de investigação, em cujo contexto produziu-se inabalável conjunto de provas. Dezenas de pessoas foram ouvidas. Milhares de documentos bancários e fiscais foram examinados. Autoridades estrangeiras cooperaram com o Ministério Público brasileiro, que, ao final, pôde concluir: Maluf foi o beneficiário final de um grande esquema de desvio de recursos do município de São Paulo, que movimentou nos Estados Unidos, Suíça, França, Luxemburgo, Inglaterra e Ilha de Jersey mais de US$ 250.000.000,00.

Por conta dos crimes cometidos, Paulo Maluf foi preso preventivamente em 2005, permanecendo encarcerado em companhia de seu filho Flávio Maluf por mais de 40 dias.
Aliás, em tema de prisão, cumpre relembrar que o ex-prefeito e seu filho passaram a compor recentemente a lista de "procurados" da Interpol, por força de ordens de prisão emitidas pela Justiça de Nova York, em processo criminal legítimo que contou com provas obtidas a partir da investigação brasileira.

O texto da chamada "Lei Maluf" ou "Lei da Mordaça" está recheado de termos subjetivos, vagos, que proporcionarão interpretação segundo as conveniências ou inconveniências do momento e do sabor das circunstâncias. Fala-se, por exemplo, que o autor da ação popular ou da ação de improbidade administrativa será condenado nas custas dos processos e em honorários periciais e advocatícios, bem como em "danos materiais, morais ou à imagem que houver provocado", quando a ação vier a ser considerada "temerária, se comprovada má-fé, finalidade de promoção pessoal ou perseguição política".

A proposta do ex-prefeito paulistano chega a criar um "crime" no texto da Lei 8.429/92 (!), punindo com pena de detenção de 6 a 10 meses, além de multa, a representação por ato de improbidade ou a propositura de ação contra agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor o sabe inocente ou "pratica o ato de maneira temerária".

Não bastassem todos os defeitos, o projeto de lei surge como medida desnecessária, revelando, dessa forma, o seu real propósito: a vingança. Deveras, o Brasil já tem todo um conjunto de normas que responsabilizam a atuação ilegal dos membros do Ministério Público. No plano interno, submetem-se às Corregedorias e ao Conselho Nacional do Ministério Público. No plano externo, todas as suas ações são examinadas pelo Poder Judiciário, podendo responder civilmente quando, no exercício de suas funções, procederem com dolo ou fraude.
Assim, promotores e procuradores da República têm cumprido o seu papel, e o Brasil já possui ferramentas para punir profissionais que não se pautam pelas normas jurídicas. O que não se pode admitir é a subversão do poder de legislar para atender interesses particulares daqueles que pretendem converter um repentino surto de moralismo em refúgio.

O Ministério Público é a voz da sociedade perante o Judiciário. Amordaçando um, cala-se a outra. A "Lei Maluf" só interessa àqueles que não querem um Ministério Público atuante e independente, como determina a Constituição brasileira.



RODRIGO DE GRANDIS, 33, é procurador da República em São Paulo;
SILVIO MARQUES, 44, é promotor de Justiça (SP), mestre e doutor em direito (PUC-SP);° PEDRO BARBOSA , 45, é procurador-regional da República.